Eu comecei a escalar tarde, pelos padrões do esporte. Sempre achei a escalada e montanhismo esportes incríveis, mas a curva pra se começar num esporte como esses no Brasil é difícil. Existe pouca informação, o acesso ao esporte é difícil, e eu sempre fui meio preguiçoso :-)
Felizmente em 2008 fui apresentado ao esporte pelo grande amigo Igor Prata (aka Mestre Prata). Na época eu estava na lama total com o meu mestrado + Google, e escalei apenas uma vez em um ginásio que nem existe mais em BH.
Finalmente em 2010 pude comecar a escalar de verdade. Tudo aconteceu após uma visita ao parque nacional do Yosemite, na Califórnia, onde vi um cara escalando até mesmo com a perna quebrada. Neste dia, pensei: "Esse trem aí deve ser bão mesmo". De volta a BH, tornei-me aluno da academia Rokaz, onde escalei por um bom tempo com Igor e também com o nosso amigo Feliponga. Com o passar dos anos, fiz grandes amigos no meio da escalada nesta academia, e vários deles hoje em dia estão na minha lista de melhores amigos.
Desde a primeira vez que escalamos a Pedra Branca, em Caeté/MG, eu e o Igor vínhamos falando sobre um dia escalar a Pedra Riscada. Lembro de todas as vezes que saímos pra escalar, e a Cynthia (esposa do Igor Prata), nos dizia: "Gente, vocês tem que ir na Pedra Riscada, vai ser legal demais!". Pra quem não conhece, a Pedra Riscada está entre os maiores paredões das Américas, com seus 1260m (é o maior paredão do Braisl). Este monumento natural se localiza na cidade de São José do Divino, na região leste do estado de Minas Gerais.
Acontece que, pra se escalar um parede como a Pedra Branca, são necessários, além de um grande planejamento, um grande grau de comprometimento, preparo físico, treinamento específico de escalada e tempo. Eu e o Igor vivemos uma vida muito corrida, com muitas viagens a trabalho, reuniões, deadlines nada ortodoxos. Com o passar do tempo, fomos aos poucos postergando, felizmente, esta escalada.
Digo "felizmente" porque eu nunca me senti preparado para tal empreitada. Nos últimos anos escalei o Pão de Açúcar, o Dedo de Deus, o Agulhas, Prateleiras, Picu, além de escaladas de parede na Califórnia, Verdon e em Chamonix. Mas nenhuma escalada se compara ao que a Pedra Riscada tinha a oferecer.
Nos últimos anos, entretanto, comecei a treinar pesado. Não apenas a escalada, mas também a corrida e o pedal. Obviamente meu treinamento nunca foi focado na escalada da Pedra Riscada -- eu pretendia apenas me sentir mais saudável, melhor comigo mesmo, e combater com esporte os efeitos da ansiedade e da depressão que ainda teimam em me amolar de vez em quando.
No final de 2013 me sentia muito preparado. Eu havia escalado muito na rocha durante o ano (incluindo uma Rokaz Trip na França), havia completado o circuito de mountain bike do XTerra em Tiradentes e feito o meu melhor tempo na Volta Internacional da Pampulha. Resolvi tomar coragem e combinar a viagem com o Igor e com o guia de montanha e escalador profissional Jean Ouriques para o feriado dia do trabalho (aka 1o de maio de 2014).
Em Janeiro, durante uma corrida na Praça da Liberdade, eu caí, torci o tornozelo e sofri uma lesão no ligamento. Por um tempo, achei que tudo estava por água abaixo.
Lesão em Janeiro
Só me restou focar na fisioterapia, na inquisição e nas barras, por mais de um mês. Felizmente a recuperação foi positiva, e em menos de dois meses eu já estava escalando, pedalando e correndo novamente.
Em nenhum momento falamos sobre cancelar a expedição até a Pedra Riscada (felizmente!). Até que chegou o grande dia! No dia 1o de maio de 2014, uma quinta-feira, eu, Igor Prata e Jean Ouriques apertamos todas as mochilas dentro do Jimny e partimos pro maravilhoso Leste Mineiro!
Após quase 500km, chegamos a São José do Divino, onde jantamos, demos entrevista, conversamos com vários personagens da comunidade local e dormimos na casa do Edmilson. Na sexta, acordamos antes das 5h da manhã, tomamos café, discutimos a localização da via com o Edmilson e partimos pra Pedra Riscada. A primeira vista da pedra foi surpreendente.
Pedra Riscada
Antes de 8h da manhã, estávamos na base da via Moonwalker, onde encontramos um outro grupo que pretendia escalar a via e que gentilmente nos ofereceu pra começar a escalar antes deles. Então, às 7h55, o Jean começou a guiar a primeira cordada da via, de um total de 19!
Tio Jean guiando a primeira enfiada
Escalada sofrida! Na primeira cordada virei pra galera que estava na base e falei "Po, o esquema aqui é pra machucar a panturrilha, hein?" ... a resposta da galera foi: "Você não viu nada!". E eles estavam certos. As cordadas em positivo e canaletas de diedro simplesmente acabaram com meu pé e minhas panturrilhas.
Me divertindo com meu capacete Androided no início da via (foto: Igor Prata)
Por volta de 13h chegamos ao platô que se localiza ao final da sétima cordada.
Selfie no plato da P7 (foto: Igor Prata)
Prosseguimos escalando, cada vez mais lentamente devido à dificuldade da via e ao cansaço, até chegar a 12a parada por volta de 18h30, onde se encontra o (não muito confortável) plato de bivaque.
Que visual é esse? (foto: Igor Prata)
Comemos parte do que levamos (basicamente: castanhas, barrinhas de proteínas, carb up, amendoin, biscoitos) e fui dormir no meu saco de dormir super confortável.
Hotel 5 estrelas no meio da parede (foto: Igor Prata)
Ainda tivemos a sorte de acompanhar um por do sol maravilhoso no dia!
Por do sol visto desde o bivaque
No sábado acordamos cedo, vimos o incrível cone de sombra que a Riscada gera no solo e começamos a escalar as 7h15 da matina.
Cone de sombra (foto: Igor Prata)
Prosseguimos por mais 7 enfiadas até o topo da via Moonwalker.
Dando segurança pro Jean (foto: Igor Prata)
Parada após o crux da via.
Mestre Prata passou o crux com uma mão e um pé apenas.
Por volta de 13h, chegamos ao cume da via!
Mestre Prata guiou a última enfiada e foi o primeiro a fazer cume! Merecido!
Prêmio do cume: chocolate suíço (foto: Igor Prata)
Por volta de 13h15 começamos o rapel pra descer a via, quando uma fina e fria chuva orográfica começava a cair no cume e teimava em ameaçar o nosso dia.
Maravilhoso visual do cume da Pedra Riscada
Na parada de um dos rápeis (foto: Igor Prata)
Rapelamos com tranquilidade, e ainda enfrentamos alguns perrengues. Ainda assim, por volta de 23h30 (ou seja, após 10 horas de rapel), atingimos a base da Pedra Riscada, e fomos procurar a trilha que nos levava de volta até o Jimny e à civilização, após mais de 40h na parede.
O que a Pedra Riscada me ensinou?
Saí da parede exausto, e a ficha ainda está caindo ... mas esta escalada me ensinou que com dedicação e treinamento podemos atingir objetivos que eram inimagináveis. Em 2011 eu estava 13 quilos acima do meu peso atual, tomando remédios controlados pra depressão e pensando seriamente em desistir de ter uma vida melhor.
Mas muito mais do que isso, esta escalada me ensinou que a amizade e a parceria são os fatores que me colocaram de verdade lá em cima no topo da parede. No final do primeiro dia eu estava exausto e achava que no segundo dia não conseguiria terminar a escalada. Mas eu não queria desistir, pois se a escalada era importante para mim, era ainda mais importante para meus parceiros Igor Prata e Jean. Eu estava comprometido a ir até onde fosse possível pra terminar e presenteá-los (também) com mais um cume.
Com o Jean eu já venho escalando há anos, ele me levou no Pão e no Dedo de Deus. Mas o Igor Prata foi o cara que mudou a minha vida ao me apresentar a escalada. Me tornei uma pessoa melhor, mais ligada no esporte e na natureza. Obrigado, Mestre Prata, por todos os ensinamentos dos últimos anos, e pela parceria em mais uma empreitada. Agora, é definir nosso próximo "projeto"!